sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

O Pintor



Todas as manhãs, vejo-o do meu quarto do hotel. 
Chega solitário, cabelos longos, chapéu, calça jeans, camiseta, carregando seus inumeráveis apetrechos. Arma-os sem pressa e inicia seu trabalho. Sua mão desliza num vaivém meticuloso. Seu olhar deve descobrir detalhes além daquelas fachadas antigas e desbotadas. 
À noite, encontro-o por casualidade numa feira de artesanato. Paro ante sua banca. Sorrio. Ele me retribui o sorriso. Não tem a menor ideia de quem eu seja ou por que sorrio. Atrás dele, quadros de casarios antigos com traços modernos: uma mistura de tempos. Não são meras reproduções. Há algo mais neles: um traço forte, corajoso, cores vivas. Um me atrai particularmente. Representa o cenário que descortino do meu hotel. Compro-o. Sorrindo, afasto-me. Olho para trás e ainda vejo seu semblante. Diferente sem chapéu. 
De manhã, está ele, e eu arrumando as malas. Vou sentir saudades, mas levarei comigo a terna visão do pano de fundo que escolhi para beber do meu silêncio.



Mardilê Friedrich Fabre

Imagem: Google

3 comentários:

Unknown disse...

Excelente texto. Parabéns.

ipsis litteris disse...

Ternura de início ao fim.
Gostei de "beber do meu silêncio".

Jorge Sader Filho disse...

A poeta é excelente cronista! Já pintei muito, Mardilê. Ainda gosto, mas de ver...
Abraço.
Jorge